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Como as águas subterrâneas poderiam ser solução para crises hídricas no Maranhão, mas são mal gerenciadas

No especial sobre o Dia Mundial da Água, o g1 Maranhão conversou com especialistas, que apontaram como o estado possui recursos hídricos em abundância nos aquíferos, mas ainda não soube aproveitar e cuidar.

Neste 22 de março é comemorado o Dia Mundial da água, uma data marcada por reflexões sobre a despoluição dos mananciais, proteção das fontes e o bom uso das águas disponíveis no planeta, que servem para as áreas superficiais, mas também nas regiões subterrâneas.

É nas regiões com águas abaixo da terra, os aquíferos, que estão algumas das maiores fontes do planeta. São formações geológicas subterrâneas de rochas porosas e permeáveis que conseguem reter a água das chuvas.

É por meio dos aquíferos que os cursos de rios, lagos e nascentes são mantidos estáveis e o excesso de água da chuva é absorvido. No Brasil, inclusive, está um dos maiores mananciais de água doce do mundo – o aquífero Guarani -, que abrange oito estados do Brasil, além do Uruguai, Paraguai e Argentina.

Por causa dessa valiosa fonte de água ainda pouco explorada, discussões sobre o bom uso dos aquíferos têm aumentado, especialmente porque alguns estão ameaçados pela seca ou pela perfuração de poços clandestinos.

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No Maranhão, a realidade não é diferente e o uso dos aquíferos pode ser solução para a falta de abastecimento de água em várias regiões, especialmente as mais carentes em termos de saneamento. Só em Codó, por exemplo, há 42 poços artesianos que abastecem diversas regiões.

Ao todo, são 21 aquíferos distribuídos pelo território maranhense, sendo o aquífero Itapecuru o maior e que abastece o maior número de cidades (veja no mapa acima). No uso desses aquíferos existem, atualmente, 796 poços para abastecimento humano e 33 para abastecimento de animais.

Segundo Idevan Soares, pesquisador do Núcleo Geombiental da UEMA, só na bacia do rio Itapecuru existem cerca de 155 poços tubulares utilizados para vários fins.

“São poços usados com múltiplos usos consuntivos, a saber: abastecimento humano, comércio e serviços, indústria, irrigação, uso animal”, afirma o pesquisador.

O próprio Idevan apresentou uma dissertação de mestrado, em 2021, que trata sobre o uso da água e do solo na bacia hidrográfica do Rio Preto, na região Nordeste do Maranhão. Nessa pesquisa é apontado como o uso inadequado do solo por alguns agricultores tem contaminado as águas subterrâneas daquela região, devido ao uso de agrotóxicos.

Além dessa pesquisa, há outras em diversas regiões que mostram como as águas subterrâneas são consumidas pelos moradores no interior do estado, e como esse recurso está ameaçado pela poluição ou até a construção inadequada dos poços.

Em Rosário, por exemplo, uma pesquisa realizada por Tenório Enes Calvet Filho e Mariane Furtado Gonçalves, da Universidade Federal do Pará, constatou a presença de poluição (como coliformes), em amostras nos poços e na rede de distribuição de distribuição de água.

Publicada em 2021, a mesma pesquisa indicou a necessidade de monitoramento e desinfecção para a garantia da qualidade da água em pelo menos 14 poços pesquisados em Rosário.

O mesmo acontece em Coelho Neto, onde as pesquisadoras Rivânia da Silva Lira e Mariane Furtado Gonçalves constaram, em 2022, que há poluição na água coletada nos poços do município.

“Notou-se que há necessidade de investimento no setor de Saneamento Ambiental, em caráter de urgência, no município, bem como melhoria nas condições de monitoramento da qualidade da água de consumo e um engajamento da população nas tomadas de decisões na gestão da água”, apontaram as pesquisadoras.

A realidade da poluição nos aquíferos traz à tona mais uma preocupação em relação ao gerenciamento da água no estado, onde apenas 30% de água é potável em suas bacias hidrográficas, de acordo com o professor e engenheiro sanitário e ambiental, Lúcio Macedo, em seu trabalho ‘Gestão das águas no Maranhão’.

Águas subterrâneas em São Luís
No caso da capital São Luís, a problemática sobre a poluição das águas abaixo da terra também existe no Sistema Aquífero Barreiras-Itapecuru, que é responsável pelo abastecimento dos poços na ilha.

“O Sistema Aquífero Barreiras-Itapecuru contribui com 47% da água destinada ao abastecimento urbano/rural e industrial na Ilha do Maranhão”, apontou o pesquisador Cláudio José da Silva, em uma tese de doutorado apresentada ao Instituto de Geociências, da Universidade de Brasília, em 2021.

Em outra pesquisa, publicada no ano passado, na revista Geociências, da Universidade Estadual Paulista (UNESP), os pesquisadores Cláudio José da Silva de Sousa, Welitom Rodrigues Borges e Karina Suzana Feitosa Pinheiro analisaram a qualidade da água e obtiveram resultados preocupantes referente a esse aquífero na capital maranhense.

Da água em 100 poços que foram submetidos à pesquisa, apenas 47% estão totalmente próprias para o consumo humano (veja no mapa acima). Nos outros 53%, o problema está relacionado à alta concentração de nitrato (acima de 10mg/L), o que aponta para um ‘cenário preocupante’ que ‘remete para a fragilidade das políticas de saneamento’.

Uma das principais causas para a poluição nas áreas dos poços foi relacionada ao esgoto proveniente das casas, por conta da fragilidade dos sistemas de esgotamento sanitário. Mas, além disso, os cemitérios e postos de revenda de combustíveis também são apontados como causadores da poluição.

No casos dos postos, haveria ao menos 196 pontos de revenda de combustíveis distribuídos ao longo dos principais corredores de água da ilha. A contaminação da água se daria a partir dos vazamentos nos sistemas subterrâneos de armazenamento de combustíveis, ocasionados pela corrosão do material, ao final de sua vida útil. Veja no mapa abaixo.

Influência da salinidade em águas subterrâneas como problema adicional

Desde os anos 70, pesquisas também começaram a apontar outro problema que pode reduzir a quantidade de água potável na ilha de São Luís: A salinização da água subterrânea.

Em uma dissertação de mestrado em Geologia intitulada ‘Recursos Hídricos da Ilha do Maranhão’, o pesquisador Sérgio Barreto de Sousa alertou para o crescente número de poços criados próximo das regiões costeiras em São Luís, o que estaria causando um desequilíbrio entre a água doce presente nos aquíferos e a água do mar.

u”Informações mais recentes indicam que os níveis estáticos em alguns pontos na região da bacia do rio Bacanga sofreram rebaixamentos da ordem de 15 a 25 metros, no período 1968-1987. Igualmente, no mesmo período, o nível estático sofreu rebaixamento de 15 metros próximo a localidade de São José de Ribamar. A medida que os níveis estáticos forem sendo rebaixados, agravado pelas explorações desordenadas dos poços, eleva-se o risco de intrusão da água salgada nos aquíferos costeiros situados próximos a esses dois setores”, apontou.

Dessa forma, quanto mais desordenada é a exploração da água no subterrâneo, maior é o risco de contaminação dos recursos hídricos pela poluição ou mesmo pela entrada da água salgada proveniente do mar.

Possíveis soluções
Isabel Cristina Lopes, em uma tese de doutorado apresentada em 2018, acerca dos indicadores de sustentabilidade de bacia hidrográfica e hidroquímica dos poços no Maranhão, recomenda ações mais enérgicas do poder público para garantir que os recursos nos aquíferos estejam assegurados para as próximas gerações.

“Realização do monitoramento sistemático da qualidade das águas subterrâneas, a fim de se estabelecer comparações espaciais e temporais; disciplinamento das atividades potencialmente poluidoras das águas superficiais e subterrâneas; delimitação de áreas de proteção de poços e consequente consolidação das legislações que protegem essas áreas; fortalecimento das legislações que definem o uso o solo”, diz a pesquisadora.

Solução semelhante é apontada por Idevan Gusmão, que amplia a análise para a necessidade de se preservar, também, os recursos hídricos da superfície para manter o abastecimento de água no Maranhão, especialmente nas regiões mais carentes.

Os poços são uma possibilidade, porém é necessário uma política pública com maior foco ao gerenciamento dos recursos hídricos.
— Idevan Gusmão, técnico pesquisador do Núcleo Geombiental da UEMA
Já a pesquisadora e engenheira ambiental, Chrislianne Costa, que concentra a pesquisa na qualidade das águas subterrâneas em São Luís, o processo de industrialização ocorrido entre a década de 1970 e 1980 trouxe consequências na Zona Rural, como a qualidade das águas subterrâneas na área da bacia do rio Tibiri e adjacências.

Para ela, a migração de várias famílias para aquela região trouxe como consequência uma forte mudança no uso do solo e das águas, o que demanda uma firme atuação do poder público no gerenciamento desses recursos.

“As últimas décadas têm sido marcadas pela deterioração dos recursos hídricos subterrâneos devido a ocupação das áreas de recarga de aquífero e aumento da pressão sobre esses recursos na cidade de São Luís, o que indica a necessidade de planejamento e ações para a proteção dos seus aquíferos”, indica a pesquisadora.

Outra ação apontada pelos especialistas é a educação da população quanto a correta perfuração de poços. Atualmente, o modo adequado é fazer a solicitação, junto à Secretaria de Estado do Meio Ambiente, para que a criação do poço seja feita por profissionais, ou seja, com a outorga de uso de água.

Porém, na prática, isso não é feito na maioria das vezes. Para Lúcio Macedo, essa ação de fiscalização do uso dos poços precisaria passar pelo poder público, que, na visão dele, vive uma fase de sucateamento.

“A análise da qualidade de água dos poços isolados deveria ser de responsabilidade do Ministério da Saúde, mas na prática isso não acontece por conta do sucateamento da Funasa, que tinha laboratório próprio e técnicos para coleta e análise”, aponta o pesquisador.

O que diz o poder público
Em nota, a Secretaria de Estado de Meio Ambiente do Maranhão informou que tem como ‘prioridade’ a gestão responsável e sustentável dos recursos hídricos, incluindo a conservação dos aquíferos. Para isso, a Secretaria diz que trabalha para fiscalizar e monitorar as perfurações ilegais de poços no território maranhense, principalmente em áreas rurais e remotas.

“A Sema está sempre em busca de uma regulação mais efetiva, para isso cumpre o que versa a Resolução CONERH Nº 57 DE 21/05/2019 e a Portaria SEMA Nº 69 DE 15/06/2020, que disciplina todos os procedimentos de autorização para Perfuração de Poços, Outorga de Direito de Uso da Água, cadastrar todos os usuários de águas subterrâneas do estado regulamentados e segue empenhada em fortalecer as análises do pedido de outorgas, a fiscalização e o monitoramento, garantindo que a perfuração seja realizada de forma sustentável e responsável. A Sema reitera o compromisso do Governo do Maranhão com a conservação dos aquíferos, com a gestão responsável e sustentável dos recursos hídricos no Estado e o empenho em fortalecer os órgãos responsáveis pela fiscalização e monitoramento, garantindo que a perfuração seja realizada de forma ambientalmente correta”, declarou a secretaria.

O g1 também entrou em contato e aguarda retorno do Ministério da Saúde sobre as críticas dos pesquisadores a respeito da falta de ações de fiscalização dos poços e conservação dos aquíferos no estado.